COMO UM ATO NEGATIVO GERA UMA
MULTIDÃO DE OUTROS

Por Flávio Rezende


          A vida está sempre apresentando novidades e, com elas, tentamos aprender um pouco mais. Quando repórter de televisão, em diversas oportunidades, estive em presídios e delegacias e presenciava de perto as celas repletas de pessoas acusadas de delitos e outros efetivamente dotados de tendências malignas.
         O tempo passou, deixei a TV, passei a militar mais em jornais, atuando hoje no ramo de assessoria de imprensa e, escrevendo estes artigos que vou publicando em espaços midiáticos aos quais agradeço gentileza da aceitação.
         Semana passada voltei a ter contato com este mundo de delegacia, guardas, advogados, documentos, choros, preocupações, dúvidas e revoltas.
         O filho da senhora que ajuda a manter nosso lar mais saudável, até então um jovem normal, estudante, trabalhador esporádico e sem nenhuma crônica policial em seus registros cotidianos, na companhia de outros, assaltou com um revólver de brinquedo, deu um tapa na vítima, de sexo feminino e, dela ousou retirar pertences pessoais.
         O resultado do delito foi zero. No vasculhar da bolsa, apenas uma chave de carro. A partir deste ato negativo, nasceram inúmeros outros que estão apenas na fase intermediária.
         O rapaz foi preso. Policiais invadiram sua casa de maneira deselegante. Os outros oito filhos de Francisca ainda hoje falam das grosserias. Algum saldo negativo ai também ficou.
         A mãe não tem dinheiro para advogado. Ai eu entrei. Consegui um em nome da Casa do Bem, invoquei a importância de ajudar, servir, cada profissional liberal do planeta pode e deve fazer algo voluntariamente todo mês. Essa fase foi vencida.
         A mãe acreditando na conversa do filho que “nada devia”, o levou a delegacia. Estava dentro das 24h do nefasto acontecimento. Ali mesmo ficou. Depois vieram as tentativas de visitação. Nada. Soldados mal humorados, fedentina, energias negativas de todos os tipos. Não é permitido deixar roupa. Ele até hoje usa a mesma, já são mais de 15 dias. Informações apontam no sentido de que não tem café da manhã, só almoço e jantar de péssima qualidade.
         Quando uns sentam, outros levantam. Dormir, só de cansaço. Numa das tentativas de visitação, a mãe conseguiu falar com ele pela janela. Mal estar total. Choro abundante. Cortaram seu cabelo. Um preso tinha ido para o Giselda Trigueiro (hospital de doenças infecto contagiosas em Natal), com suspeita de gripe suína, outro com ferida aberta exibia as dores que lhe pertenciam.
         Minha cabeça oscila nestes dias entre muitas dúvidas. Se realizarmos um esforço para que possa responder pelo crime em liberdade e, ele, voltar a “aprontar”? Fazemos um bem e esse bem pode redundar em outros males futuros.
         Ao mesmo tempo sabemos que uma ação humanitária pode salvar a vida de um jovem desse. Foi à primeira vez. Ele atende a mãe quando ela o chama de volta ao lar nas noites comuns da vida cotidiana. É querido pelos irmãos, nunca usou drogas, ao menos que se saiba. Ninguém disse nada de ruim contra a pessoa dele.
         Por causa do ato criminoso, dona Francisca quase não trabalha, eu passo meus dias com ela resolvendo tudo e estou prejudicado nos meus afazeres pessoais. A família vive momentos de dor e incerteza. O advogado ocupa seu tempo que poderia estar sendo utilizado com outros casos que lhe rendessem dividendos.
         Um ato negativo gera muitos outros. Papeis são necessários. Taxas são pagas. Burocracia, contatos diversos, pedidos, tempo, incertezas, mal estar, tudo detonado a partir de um ato, que se mais pensado fosse, poderia ter sido abortado.
         A vítima certamente está traumatizada, sua família também, muitos pensamentos e vozes jogados no éter planetário, quantas negatividades são geradas a partir de um ato assim e, perceba que ele não teve uma morte no fim.
         Estou confuso, espero estar agindo de maneira correta em ajudar dona Francisca e ver seu filho livre e respondendo pelo que “deve” em liberdade.
         Na delegacia, por ocasião da confissão, fatos estranhos também aconteceram. Não quero acusar ninguém de tortura, mas sabemos que existe. Volto, a saber, depois de tanto tempo, que uma delegacia, um presídio, são verdadeiros infernos terrestres.
         Seres amontoados, higiene zero, pessoal radicalmente desqualificado exercendo diversas funções na hierarquia policial. Alguns dizem que as pessoas que cometem crimes merecem isso mesmo. Como humanista sou contra todo delito, mas também não concordo com insalubridade, alimentação ruim e atendimento desumano aos familiares.
         Tudo pode ser melhorado. Acredito que os detentos até podem se humanizar mais diante de um tratamento mais digno. A continuar assim, estaremos retirando criminosos das ruas e os dotando de mais animalidade ainda.
         Tem coisas que não sabemos ao certo como agir. Confesso minha impotência. Meu coração não consegue ficar indiferente ao olhar desamparado de uma mãe quando olha para você e diz: - Flávio, meu filho está preso e não tenho condições de ajudá-lo.
         Espero que dona Francisca e os seus possam tê-lo novamente em casa e, todo o esforço, o voluntariado do advogado e as orações, conduzam este rapaz ao caminho do bem, da luz e da convivência fraterna, afinal é amando uns aos outros, que estaremos exercendo de maneira correta, nossa condição humana.

* É escritor, jornalista e ativista social em Natal/RN (escritorflaviorezende@gmail.com)
Enviado por Iven Bezerra de Andrade.