A África tem oásis de calma e prosperidade, mas suas extremidades são de lascar. No leste temos a Somália, que dispensa comentários. O norte é todo tomado pelas ditaduras árabes. Mesmo o sul, relativamente mais próspero, tem altíssimos índices de violência e Aids. E o oeste é provavelmente a região mais pobre do planeta Terra.

Lá ficam cinco dos dez países menos desenvolvidos do mundo, segundo o ranking anual feito pela Organização das Nações Unidas: Serra Leoa, Libéria, Níger, Burkina Fasso e Guiné-Bissau. São Estados frágeis, dados a golpes e guerras civis. De vez em quando um presidente morre metralhado. Não podem se dar ao luxo de ter polícias de fronteira ou alfândegas. Por isso, entraram firme na rota do tráfico internacional.

O fenômeno é relativamente recente, de dois anos para cá, e se há uma surpresa é o fato de ter demorado tanto para acontecer. É um ambiente perfeito para malfeitores de todos os tipos: Estados sem estrutura de fiscalização, mas periféricos e sem uma tragédia comparável à do genocídio de Ruanda, por exemplo. Ou seja, não despertam atenção da comunidade internacional a ponto de darem origem a uma intervenção humanitária (ou não-humanitária) de países ricos. Largados, são presas fáceis.

Na semana passada, a agência da ONU especializada em drogas e crime (UNODC) publicou um relatório completo dando o diagnóstico da situação. O documento tem nome grandioso: “Tráfico transnacional e o império da lei no oeste da África: uma avaliação de risco”.

A principal conclusão é que o tráfico de cocaína atingiu um pico no ano passado e, apesar de ter desacelerado um pouco em 2009, permanece sendo uma grande ameaça à estabilidade da região. Uma conjunção de fatores levou traficantes latino-americanos (principalmente de Colômbia, Venezuela e México) a usar a região oeste da África como condutor para cocaína destinada à Europa. Rotas alternativas, pela América do Norte, estão cada vez mais controladas. A opção geográfica óbvia é por países como Nigéria, Cabo Verde e principalmente Guiné-Bissau.

O caso de Guiné-Bissau é nada menos do que dramático. Está virando um narco-Estado, corrompido pelo poder dos traficantes. Para uma economia que vive à base da castanha de caju exportada para a China, o impacto econômico do desembarque de toneladas de cocaína pode ser imaginado. A classe política e militar começa a ser corrompida pelo poder do dinheiro. Suspeita-se que traficantes tenham relação com o assassinato recente do presidente e do chefe das Forças Armadas do país.

As drogas não são toda a história da região oeste da África. Há ainda quadrilhas especializadas no desvio de petróleo da Nigéria; 80% do mercado de cigarros é ilícito; metade dos remédios que circulam pela região é falsificada; até o lixo eletrônico (computadores jogados fora) virou um problema.

Tardiamente, a comunidade internacional percebeu a extensão do problema. Países europeus, sobretudo os ibéricos (Portugal e Espanha), estão muito preocupados com a entrada de drogas em suas fronteiras e despejam ajuda financeira (como se resolvesse). A Polícia Federal do Brasil agora tem um programa de treinamento da sua contraparte em Guiné-Bissau.

Estados que não conseguem manter em funcionamento suas instituições mais básicas (polícia, Judiciário, Forças Armadas) são rotineiramente classificados de “fracassados”. O termo é polêmico no mundinho dos estudos de relações internacionais. Mas no oeste da África, é difícil discordar do rótulo.

Escrito por Fábio Zanini - Extraído (www.peneafrica.folha.blog.uol.com.br).