Reprodução/Facebook/Ingrid Preigschadt
Ingrid Goldani respirou ar do freezer da boate Kiss e conseguiu escapar da fumaça
  • Ingrid Goldani respirou ar do freezer da boate Kiss e conseguiu escapar da fumaça
Ingrid Preigschadt Goldani, 21, que se salvou do incêndio na boate Kiss, em Santa Maria (RS), no último dia 27 após colocar a cabeça no freezer para respirar antes de tentar fugir da casa noturna em chamas, recebeu alta nesta quinta-feira (7) do Hospital Conceição, em Porto Alegre, e conversou com o UOL. Feliz por ter superado momentos difíceis nas duas últimas semanas, mas triste por tudo o que aconteceu, a jovem admitiu que precisará de um tempo para voltar a festas com a turma de amigos.

Apesar de querer que os envolvidos diretamente na tragédia sejam punidos, a jovem prefere não culpar ninguém, por entender que o incêndio não foi premeditado. "Acho que a maior condenação é a própria consciência", revelou a estudante de enfermagem da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria) que estava trabalhando na casa noturna no dia da tragédia.

Ingrid, que trabalhava na Kiss, foi o primeiro caso de pneumonia química entre as vítimas do incêndio e só sobreviveu porque foi retirada do local por uma pessoa que ainda não conseguiu identificar. Porém, horas depois apresentou os sintomas da doença e foi internada na UTI em Santa Maria. Logo em seguida, teve que ser induzida ao coma, entubada e, posteriormente, transferida para a capital gaúcha. Apesar da morte de 238 pessoas e do sofrimento de muitas famílias, inclusive da dela, ela prefere olhar para frente e espera que a sociedade aprenda uma lição como o ocorrido, para evitar novas tragédias como a de Santa Maria.


Leia a entrevista na íntegra:
UOL: Após tudo o que aconteceu como você, como resume os fatos que ocorreram na boate Kiss?

Ingrid Goldani:
 Apavorantes. É uma coisa que posso dizer de tudo isso. Porque o que vimos lá dentro ninguém nunca esperou ou imaginou que pudesse ver alguma coisa parecida.

UOL: O que você lembra dos momentos desde que notou o incêndio, passando pela estratégia de colocar o rosto do freezer até sair da boate?

Ingrid:
Infelizmente, me lembro de tudo. Cada minuto que eu passei lá dentro perfeitamente, como se fechasse os olhos e me encontrasse lá dentro de novo.

UOL: Você culpa alguém pela tragédia na boate?

Ingrid:
Sinceramente, não culpo ninguém porque nenhum ser humano desejaria um mal daquele tamanho, ou algo parecido, para alguém. Foi falha e todos têm o direito de falhar. Ninguém pede para falhar. Acho que foi um conjunto de falhas humanas e, infelizmente, com muita má sorte.

UOL: O que o episódio vai mudar na tua vida?

Ingrid:
Sinceramente, a única coisa que vou mudar é que vou me manter mais tempo perto das pessoas que amo, porque não sabemos o dia de amanhã e, com certeza, não ter medo de fazer as coisas.

UOL: Acredita que vai ter dificuldades de trabalhar ou ir a boates?

Ingrid:
Acho que trabalhar, não mais. Depois dessa tragédia, não teria força psicológica para isso e fazer festa, não posso dizer que nunca mais. Sou daquelas pessoas que nunca diz nunca, mas tão cedo não vou querer me enfiar em algum lugar para fazer festas.
 
UOL: Como foi o período que ficou no hospital sem conseguir acompanhar as notícias e conversar com os amigos e colegas?

Ingrid:
Foi um dos piores porque ansiava em saber das pessoas. Não consegui sair da boate enquanto não soube de praticamente todo mundo. Fiquei mais de quatro horas na frente [da casa noturna] porque precisava saber do resto da equipe. Porque os meus amigos que estavam na festa, eu sabia que estavam fora, mas a equipe tinha visto muito poucos saírem. Então, enquanto não tive certeza se eles estavam vivos ou mortos, não consegui sair lá da frente.

UOL: Quando voltou do coma, como foi começar a receber as informações sobre os amigos e conhecidos?

Ingrid:
Foi bem complicado porque na tarde que fui internada sabia de quase 90% sobre tudo o que estava acontecendo. Quem tinha morrido, quem estava salvo e das internações. Estava em um estado bem sensível, bem afetada. Depois que eu saí do coma, que fui para o quarto no hospital, poucas notícias me abalaram porque já sabia de tudo. Então, a maioria das notícias que tive lá foram boas. Graças a Deus fiquei sabendo que muitos amigos estavam reagindo, que haviam saído ou estavam por sair.

UOL: Por ter sido o primeiro caso de pneumonia química pela inalação da fumaça tóxica, o governo deu uma atenção especial para você ou sua família?

Ingrid:
Por um acaso do destino, a minha vó teve um contato muito próximo com o ministro porque no momento em que foi detectada a minha pneumonia, que fui internada em Santa Maria, que fui posta em coma, entubada e tudo, tinha um contato na base aérea que ia conseguir um transporte aéreo para a minha mãe, para que ela fosse o mais rápido possível para Porto Alegre. Devido a alguns contratempos, ela acabou viajando para Porto Alegre no avião do ministro [da saúde, Alexandre Padilha]. Então, podemos dizer, que ela teve um contato bem maior que o resto dos familiares.

UOL: O que você espera das investigações e das mudanças que os órgãos públicos e a sociedade estão fazendo depois da tragédia?

Ingrid:
Sinceramente, me sinto mal porque teve que acontecer um episódio tão grande e triste para o pessoal se mobilizar por uma coisa que deveria ser uma obrigação de todo mundo. Em relação à Justiça, só quero que os culpados paguem pelos seus erros. Acho que a maior condenação dos envolvidos é a própria consciência, porque acho que nenhum deles vai conseguir dormir sabendo que foi o responsável pela morte de tanta gente que tinha tanta vida pela frente.

UOL: Você encontrou o herói que te salvou na boate?

Ingrid:
Ainda não. Uma amiga próxima me falou que um menino estava falando que tinha me ajudado na boate, mas ainda não consegui contato com ele e também não tenho certeza. Rezo para que seja. Se não for, ainda vou procurar e espero conseguir encontrar.

UOL: Qual o recado você deixa para as famílias das vítimas e dos sobreviventes?

Ingrid:
Primeiro, gostaria de desejar muita força. Também gostaria de pedir para que eles permaneçam ao lado das pessoas que gostam e que estão dispostas a dar o lado positivo delas. Porque só o amor das pessoas que estão em volta, a fé, o carinho e atenção que vão manter a gente em pé. E também, que não deixem de viver porque, com certeza, o pessoal que se foi não ia querer que a gente deixasse de viver. Eles querem que a gente continue lutando. E, se alguma coisa mudar, e eu acho que está mudando, acredito que eles vão ficar muito felizes por todos nós.

Carmelito Bifano
 UOL