Após passarem por uma traumática experiência durante uma viagem ao Chile, o neurologista Raimundo Paiva Lopes e sua esposa, a pediatra Ana Lopes, retornaram a Mossoró na quinta-feira passada, 4 de março. O casal havia ido ao país festejar o aniversário do médico, comemorado em 22 de fevereiro, e foi pego de surpresa às vésperas do retorno ao Brasil, que estava programado para o dia 28 de fevereiro, domingo passado.
Depois do sufoco, Paiva Lopes lembra como tudo aconteceu. "Começou com uma viagem de lazer", diz ele, comentando que o casal chegou ao país no dia 18 e tinha intenção de permanecer por dez dias.

Segundo ele, eram 3h24 quando sua mulher, que tem o sono mais leve, o acordou dizendo: "Olhe, está acontecendo alguma coisa". "A luz apagou, ficou tudo no escuro e um barulho ensurdecedor", lembra o neurologista, acrescentando que as janelas e portas batiam e a cama balançava de um lado para o outro. "Ficou três minutos e 20 segundos", diz, lembrando que, em termos de tempo, o terremoto que atingiu magnitude 8.8 na escala Richter foi o maior do país.

Sem saber o que fazer, os dois se agarraram à cama. Quando o tremor parou, ele pegou a mão da esposa e, ainda na escuridão, desceu as escadas correndo. Paiva Lopes comenta que não sabia que era capaz de correr tanto. "Chegamos lá embaixo, já estavam todos os hóspedes do hotel", menciona o médico, acrescentando que, na ocasião, encontrava-se apenas com o calção do pijama, descalço e sem camisa em um frio de 12º.

Dois outros tremores, um pouco menores, foram registrados no mesmo dia, por volta das 7h e 8h da manhã. Além deles, o médico conta que os tremores continuaram em menor intensidade. No bairro onde o médico estava hospedado, os prédios não chegaram a cair, pois ele comenta que a cidade já havia sido destruída por um terremoto anteriormente e foi projetada para resistir aos tremores.

No domingo, 28 de fevereiro, dia marcado para o retorno ao Brasil, o casal não teve como deixar o Chile, pois, embora as pistas do aeroporto estivessem intactas, o prédio estava destruído. Além de ter que permanecer no país, o casal teve que enfrentar a escassez de alimentos. "Faltou tudo, água, comida, faltou tudo", recorda Paiva Lopes.

No primeiro dia após o terremoto, o casal consumiu o que tinha dentro do frigobar, mas a comida era pouca. Paiva Lopes diz que eles passaram dois dias sem alimentação, pois, mesmo estando com dinheiro no bolso, não havia o que comprar. No segundo dia, eles saíram, juntamente com outras pessoas, em busca de um supermercado e se depararam com um minishopping, mas não havia muita coisa para comprar. "Eu, particularmente, consegui uma garrafa de suco de laranja e um iogurte".

Ainda no domingo, quando as diárias dos hotéis foram encerradas, os estabelecimentos queriam colocar os hóspedes para fora, mas, através de negociações, eles conseguiram permanecer.

Foi também nesse dia em que conseguiram manter o primeiro contato com a família, através da internet, que ainda funcionava, mesmo precariamente.

Na segunda-feira, 29 de fevereiro, o casal foi à Embaixada do Brasil e, ao chegar ao local, se deparou com mais de mil brasileiros enfrentando a mesma situação. Os brasileiros foram informados de que o Governo do Brasil não tinha como enviar ajuda em decorrência da situação do aeroporto, que não possibilitava o recebimento de aviões; além disso, ele não tinha como interferir na administração de outro país. Na Embaixada, o casal preencheu uma ficha com os dados referentes ao Brasil.

Todos os dias o casal procurava a companhia área, mas a resposta era sempre de imprevisibilidade devido à situação do aeroporto.

O casal conseguiu lugar em um ônibus. Assim, na terça-feira partiram de Santiago para a Argentina em uma viagem de 36h. Da Argentina continuaram em direção a Porto Alegre, onde pegaram um avião para São Paulo e outro de São Paulo para Fortaleza.

"Passamos seis dias em estado de guerra. Graças a Deus escapei", conta. "Acho que o resto da minha vida vou me lembrar disso", diz ele, acrescentando que o casal dorme e acorda assustado.

"A nossa vida é uma vela. Basta um ventinho para apagar", fala o médico.

De tudo o que passou, ficou uma lição: "A lição que eu tive é que cada dia a gente tem que pensar mais em Deus e se voltar para dentro da gente e que nós não somos nada. Eu estava com dinheiro sobrando, mas não tinha o que comprar", revela o neurologista. Além disso, os laços de amizade originados no momento de desespero também permanecerão em sua mente para sempre.

Do terremoto, Paiva Lopes diz que o que permanece mais forte em sua mente é a lembrança do barulho. "Barulho assim como se tivessem mil cavalos correndo", explica.
Na quinta-feira, ao chegar ao aeroporto de Fortaleza, o casal foi recebido pelos familiares, que estavam aflitos com todos os acontecimentos. Embora Paiva Lopes já esteja de volta ao trabalho, sua esposa ainda encontra-se afastada, pois não está em condições de trabalhar.


A entrevista foi realizada pelo excelente Jornal Gazeta do Oeste de Mossoró