Mandado de Segurança Com Liminar Nº. 2012.014913-4 
Origem: Tribunal de Justiça
 Impetrantes: Alcides Antas Pereira Pinto e outros 
Advogados: Manoel Batista Dantas Neto e outros 
Impetrada: Governadora do Estado do Rio Grande do Norte 
Impetrado: Secretário Estadual da Administração e dos Recursos Humanos do Estado do Rio Grande do Norte - SEARH 
Impetrado: Secretário do Planejamento e das Finanças do Estado do Rio Grande do Norte Relator:Desembargador Virgílio Macêdo Jr. 

DECISÃO Cuida-se de petição acostada pelos impetrantes, às fls. 595/597, dando conta do não cumprimento da decisão monocrática de fls. 584/589, na qual foi concedida medida liminar determinando que os impetrados procedessem com o imediato reajuste nas remunerações dos cargos dos servidores em questão, de acordo com a Lei Complementar Estadual nº 432/2010, no art. 37, incisos I e II e parágrafo único, e a tabela de reajuste contida no Anexo I, Tabelas I, II e III da aludida lei, inclusive tendo sido fixada multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) na pessoa física de cada uma das autoridades em caso de descumprimento.

Consta dos autos os comprovantes de que os mandados foram devidamente cumpridos, sendo pessoalmente assinados por ROSALBA CIARLINI ROSADO (fl. 592 – 03/12/2012), Governadora do Estado do Rio Grande do Norte, e ANTÔNIO ALBER DA NOBREGA (fl. 593 – 10/12/2012), Secretário de Administração e Recursos Humanos do Estado do Rio Grande do Norte, bem como cumprido com relação ao FRANCISCO OBERY RODRIGUES JÚNIOR, Secretário de Planejamento e Finanças do Estado do Rio Grande do Norte por meio de seu Chefe de Gabinete, Marcelo Henrique de Garcia Maia (fl. 594 – 12/12/2012).

 É o que importa relatar.

Decido. Os impetrantes ingressaram com a presente demanda em virtude do descumprimento, pelo Poder Executivo Estadual, da Lei Complementar Estadual nº 432/2010, que instituiu o Plano de Cargos, Carreira e Remuneração dos Órgãos da Administração Direta do Poder Executivo do Estado do Rio Grande do Norte.

Alegam na petição inicial que, desde o mês de setembro de 2010, as autoridades coatoras concederam-lhes, em média, 30% (trinta por cento) do aumento salarial assegurado pelo referido diploma legal. Em que pese o pleito liminar já tenha sido analisado, inclusive com o seu deferimento, trata-se, agora, da necessidade de impor medida adicional que assegure aos impetrantes o direito de ver cumprida tal decisão.

O próprio art. 461, § 5º, do Código de Processo Civil prevê a possibilidade de o magistrado aplicar todas as medidas necessárias ao cumprimento da decisão.

Assim estabelece o referido dispositivo: "Art. 461 - Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. [...] § 5º - Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial. [...]" Na hipótese, não obstante os impetrados tenham sido regularmente notificados acerca da liminar deferida (mandados às fls. 592/594), não estão efetivando o seu cumprimento, conforme noticiam os impetrantes às fls. 595/597. Pois bem, como assentado pelo Ministro do Superior Tribunal de Justiça Adhemar Ferreira Maciel (in Descumprimento da Ordem Judicial. Revista AJUFE, ago. 1990): "O fato é que o juiz, sem qualquer açodamento, com prudentia officii, não pode deixar que seu mando caia no vazio. [...] O juiz não pode cruzar os braços e falar que já cumpriu a sua parte, isto é, já reconheceu o direito do impetrante". Com efeito, o descumprimento de decisão judicial é a forma mais grave de desrespeito ao funcionamento do aparelho judicial. Todos os atos ou omissões, culposos ou dolosos, que criem dificuldades ao alcance do resultado jurídico prático, causam embaraço à efetivação da tutela jurisdicional.

 A doutrina e jurisprudência vem debatendo, ao longo dos anos, qual seria a conduta mais adequada para combater a omissão do agente público. Durante muito tempo prevaleceu a ideia de que não haveria que se falar em crime de desobediência porque tal delito estaria catalogado entre aqueles praticados pelo particular contra a Administração em geral. Todavia, tal tese não encontra mais respaldo na doutrina e na jurisprudência. Como bem ressaltado por Luiz Carlos de Castro Lugon, em texto publicado na Revista do Conselho da Justiça Federal, n. 13, Brasília, p. 80-88, jan./abr. 2001, o agente público que deixa de cumprir obrigação funcional o faz como particular e, nessa condição, deve ser considerado sujeito ativo do crime de desobediência. Senão vejamos: "Mostra-se, a meu sentir, complemente absurda a idéia de que o legislador tenha deliberadamente deixado o juiz desamparado de meios eficazes para fazer cumprir suas ordens. Parece-me ainda razoável a idéia de que ninguém desobedece em nome da Administração; se está a descumprir ordem judicial, não pode o agente público pretender do órgão a que pertence qualquer respaldo; age por si próprio, há de responder como particular. Não há portanto, lacuna a colmatar; a desobediência é uma só, mesmo que praticada pretensamente em nome da Administração." Corroborando a tese de que o agente público descumpridor de decisão judicial pratica sim o crime de desobediência, é o julgado mais recente do Superior Tribunal de Justiça a respeito do tema, in verbis: "CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL. DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL, POR SECRETÁRIO DE SAÚDE DO ESTADO DE RONDÔNIA. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. POSSIBILIDADE DE CONFIGURAÇÃO. RECURSO PROVIDO. O funcionário público pode cometer crime de desobediência, se destinatário da ordem judicial, e considerando a inexistência de hierarquia, tem o dever de cumpri-la, sob pena da determinação judicial perder sua eficácia. Precedentes da Turma. [...] Recurso especial provido, nos termos do voto do relator." (REsp 1173226/RO, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 17/03/2011, DJe 04/04/2011)

Na hipótese, repita-se, os impetrados, apesar de devidamente notificados, não estão efetivando o cumprimento da decisão proferida às fls. 584/589, que determinou o imediato reajuste nas remunerações dos cargos dos servidores em questão, de acordo com a Lei Complementar Estadual nº 432/2010, no art. 37, incisos I e II e parágrafo único, e a tabela de reajuste contida no Anexo I, Tabelas I, II e III da aludida lei. É fato (mandado para ROSALBA CIARLINI ROSADO, Governadora do Estado do Rio Grande do Norte, cumprido em 03/12/2012 - fl. 592; mandado para ANTÔNIO ALBER DA NOBREGA, Secretário de Administração e Recursos Humanos do Estado do Rio Grande do Norte, cumprido em 10/12/2012 - fl. 593; mandado para FRANCISCO OBERY RODRIGUES JÚNIOR, Secretário de Planejamento e Finanças do Estado do Rio Grande do Norte, cumprido em 12/12/2012 - fl. 594).

Forçoso reconhecer, pois, que está escancaradamente sendo praticado o crime de desobediência, tipificado no art. 330 do Código Penal: "Art. 330 - Desobedecer a ordem legal de funcionário público: Pena - detenção, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, e multa." Verificada a ocorrência do crime, insta aplicar o disposto no art. 302 do Código de Processo Penal: "Art. 302 - Considera-se em flagrante delito quem: I - está cometendo a infração penal; II - acaba de cometê-la; III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração." Observe-se, ademais, que, não obstante os impetrantes tenham tomado ciência da concessão da liminar entre 10 e 12 de de dezembro de 2012, o flagrante persiste porque a decisão permanece sendo descumprida até a presente data, fazendo incidir o disposto no art. 303 do mesmo diploma: "Art. 303 - Nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência." Afasto, desde logo, qualquer dúvida quanto à competência deste Relator para determinar a prisão dos referidos Secretários de Estado, na medida em que componho a Câmara Criminal desta Corte, bem como qualquer do povo seria competente para decretar a prisão de quem seja encontrado em flagrante delito, consoante disposto no art. 301 do Código Penal: "Art. 301 - Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito." Todavia, como o faço na condição de autoridade pública, sobretudo analisando com jurisdição criminal, e tenho conhecimento acerca do foro privilegiado da Governadora do Estado quanto aos crimes comuns, que devem ser processados originariamente perante o Superior Tribunal de Justiça, deixo de decretar sua prisão, limitando-me a fazê-lo apenas quanto ao Secretário Estadual da Administração e dos Recursos Humanos do Estado do Rio Grande do Norte e ao Secretário do Planejamento e das Finanças do Estado do Rio Grande do Norte, por força do que dispõem o art. 105 da Constituição Federal e o art. 71 da Constituição Estadual: "Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I - processar e julgar, originariamente: a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais; [...]" "Art. 71. O Tribunal de Justiça tem sede na Capital e jurisdição em todo o território estadual, competindo-lhe, precipuamente, a guarda desta Constituição, com observância da Constituição Federal, e: I - processar e julgar, originariamente: [...] c) nas infrações penais comuns, o Vice-Governador e os Deputados, e os Secretários de Estado nestas e nos crimes de responsabilidade, ressalvada a competência do Tribunal Especial previsto no art. 65, e a da Justiça Eleitoral;"

Finalmente, é importante deixar claro que não se trata de medida tomada precipitadamente.

Pelo contrário. A uma, porque este Relator inicialmente tentou legitimamente coagir os impetrantes a cumprir a decisão por meio da fixação de multa diária, a qual, diga-se de passagem, já foi fixada em patamar elevado, totalizando R$ 30.000 (trinta) mil reais por mês de descumprimento. A duas, porque, além de este não ser o primeiro caso de descumprimento de decisão judicial por parte dos Secretários Estaduais, deve-se observar que, in casu, os impetrados sequer apresentaram justificativas para sua omissão ou inércia, o que revela total desídia no cumprimento de suas obrigações funcionais, além de descaso para com os atos proferidos pelo Poder Judiciário.


 À vista do exposto, por estarem preenchidos os requisitos dos arts. 301 e 302 do Código de Processo Penal, determino a prisão em flagrante de ANTONIO ALBER DA NÓBREGA, Secretário de Administração e Recursos Humanos do Estado do Rio Grande do Norte, e FRANCISCO OBERY RODRIGUES JÚNIOR, Secretário de Planejamento e Finanças do Estado do Rio Grande do Norte, pela prática do crime previsto no art. 330 do Código de Processo Penal. Expeçam-se os respectivos mandados de prisão, que deverão ser cumpridos por meio do Gabinete Militar deste Tribunal de Justiça, observando-se o disposto no art. 304 do Código de Processo Penal. O recolhimento deverá ocorrer no Quartel do Comando da Polícia Militar, sem antes deixar de realizar os exames de corpo de delito no ITEP. Dê-se ciência do feito ao Procurador Geral de Justiça. Enviem-se cópias à Excelentíssima Governadora do Estado do Rio Grande do Norte. Determino a remessa dos autos à Secretaria Judiciária para adoção das medidas cabíveis. Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se.